quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Casa de patroa

Foto: Almeida Rocha/Folha
Mamãe não tem meio termo. Lasca-me um tapa na fuça, e logo me põe no colo beijando minha testa, desculpando-se com voz mais infantil que a minha.

Até seu café não tem meio termo. Côa uma tinta capaz de pintar asfalto, e um desenxabido mijo de padre. Eu misturo, se ficar forte demais ou fraco de menos, talvez tenha a manhã seguinte para tentar de novo.

O café vem com meu mexido preferido: ovo frito, com banana e farinha de mandioca; como de olhos fechados, só abro a boca. E vamos nós pra casa da patroa.


Quando estou aqui transpiro alecrim. Móveis novos e bonitos, paredes limpas e espaço para respirar. Os cachorros são mais limpos que os nossos, é verdade, mas não sabem abanar o rabo. Não gosto deles.

Vou ao banheiro e até me esqueço de que o xixi parou de cair. Em cada quadrado branco, uma flor, em cada flor uma cor; azul, amarela e laranja, depois repete e começa de novo, azul, amarela e laranja, azul, amarela e laranja... Pensei em perguntar para mamãe quem tinha pisado nas flores do nosso banheiro, mas desisti, ela não gosta de perguntas, principalmente das minhas.

Mas eu gosto mesmo é da janela da sala. Subo no sofá, desatarraxo o trinco e repouso no parapeito. Olho a cidade pequenininha, as pessoas se esbarrando lá embaixo, e o som dos carros e a gritaria das bocas rastejando tentando alcançar meus ouvidos, e eu levinha, levinha. Seria legal ter uma janela dessa, em que a gente se sente grande...

Hoje o dia passou rápido. Desço de mãos dadas com mamãe pela caixa-bonita-com-espelho que em segundos nos coloca de novo no chão.

Caminhando para o ponto de ônibus, vejo zumbis com roupas velhas, cabelos espetados e olhos apagados, gente bem parecida comigo e com a minha mãe. A gente existe mal.

Mas eu estou bem, mesmo voltando para as goteiras, o mofo e para meu colchão magro estou com o livro do Pedrinho loirinho, acho que ele não vai ligar...



Angelina Miranda é jornalista e escritora sem livros.
Ri alto, é fã de jabuticaba, cachorro, botecos e maus modos.
Dá uns pitacos pelo Feici e faz uns versos no Poesias Angelinas.

Um comentário:

  1. Conto gostoso de ler, chega dar pena quando acaba.

    Gosto das coisas que escreve, preciso te ler mais.

    Victor Az

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