(Créditos da imagem) |
Por causa da TPM e da falta de palavra da cobradora que
disse ter “esquecido” de me avisar sobre quando chegássemos à igreja Santo
Eduardo, desci do ônibus vermelha, cuspindo marimbondos e palavrões.
Sentei-me no banco do ponto para esperar o próximo ônibus, ao meu lado um velho me observa. O ignoro, ele e seu meio cabo de vassoura que faz as vezes de uma bengala.
Sentei-me no banco do ponto para esperar o próximo ônibus, ao meu lado um velho me observa. O ignoro, ele e seu meio cabo de vassoura que faz as vezes de uma bengala.
Virei o rosto e dei a
deixa para outra velha.
- Você gosta de ler?
- Gosto. – Respondi à uma senhora de cabelo caramelo
cinzento, óculos igualmente velhos e saia florida.
- Então, minha filha, nesse folheto Deus dará as
respostas para todas as suas perguntas. Como conquistar a felicidade, o
matrimônio próspero e, o mais importante, como alcançar o reino dos céus.
Era simpática a senhorinha, falava com entusiasmo, até me pareceu bom o Deus do folheto, mas não queria felicidade, casamento, nem reino, queria o ônibus.
- Que bom que nesse folheto tem tudo isso aí que a
senhora disse, mas sei que não vou ler, por isso não vou pegar.
- Ooooh, que pena! Mas é sincera, pelo menos não vai pegar
pra jogar no lixo. A gente fica tão triste quando isso acontece, evangelizamos porque
acreditamos nisso. – Disse, triste e feliz.
Isso com certeza, pensei. Ninguém sai de casa abordando
estranhos na rua com folhetos milagrosos, sem ter plena e absoluta fé em suas
convicções. Sorri com dentes amarelos, e o velho de meia vassoura sentiu-se à
vontade para dar seu testemunho meteorológico.
- Que calor, não?!
Respondi qualquer coisa e ele descarrilhou.
- Mesmo com quentura, eu gosto de morar aqui. Embu das
Artes é um lugar tranquilo, como você pode ver, mas tem muita gente ruim...
- É... Mas deve ter gente boa também, o senhor não me
parece ruim.
- Eu sou um homem sossegado, moro naquela ruazinha ali de
cima, tá vendo? Ali, ó, depois da padaria, lá eu moro e trabalho, conserto
guarda-chuvas.
- Então é o senhor do tempo?
- Pode ser, mas hoje em dia quase ninguém mais conserta
guarda-chuva. -Disse desanimado.
- É verdade. Eu mesmo não mando consertar. – Palpitou a tia
do folheto, arrastando os passos e indo embora.
- Tá vendo? Hoje a
maioria das pessoas é assim, ninguém quer arrumar nada, joga fora e compra
outro, igual o alfaiate, ele também quase não deve ter trabalho...
- O sapateiro...
- Antigamente era diferente, tudo era diferente... Sou
mineiro, saí de minha cidade muito novo com 14 anos. Sabe quando eu cheguei em
São Paulo? Há muito tempo, sua mãe nem devia ter nascido, foi em 1951...
De volta a 2013, da catraca eu ouvi:
- Vai minha filha, boa sorte! Vem me visitar, e não jogue
guarda-chuva fora.
Angelina Miranda é jornalista e escritora sem livros.
Ri alto, é fã de jabuticaba, cachorro, botecos e maus modos.
Dá uns pitacos pelo Feici e faz uns versos no Poesias Angelinas.
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