segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Quanto cabe numa palavra?

Nascido em Paris, Sponville tem grande influência  
de nomes como Sartre e Dostoievski.
Nos sonhos e pesadelos, no café da manhã, trabalho e jantar, até quando a língua cansa, estamos dizendo alguma coisa. Gastamos de 10 a 11 horas por dia nos comunicando verbalmente, seja falando, lendo ou escrevendo (em tempos de Facebook, esse número pode ser maior). Mas mesmo com tanta ‘prática’, nem sempre fazemos o melhor uso da língua, digo tanto no sentido de utilizar uma palavra empregando outro significado, como também, por mergulharmos tão pouco no oceano de possibilidades que pode conter a palavra.

‘Adulto’, por exemplo, na maioria das vezes, é utilizado apenas para distinguir os pequenos dos grandes, uma ponte que divide o aparente abismo que há entre o que é ser criança e adulto, mas parece que o rio não é tão raso assim.

“Adulto: Aquele cujo corpo deixou de crescer – que já não pode crescer, a não ser por meio da alma. É ser fiel à infância, recusando-se a encerrar-se nela. Porque todas as crianças querem crescer. O infantilismo é uma doença de velhos”.

André Comte-Sponville no seu “Dicionário Filosófico”, vai muito além das definições frias e objetivas a que estamos acostumados a ler nos Aurélios por aí. De maneira meticulosa, ele pensa a língua, investiga a palavra, revelando origem e essência, tantas vezes esquecidas nas curvas do tempo...

Letras adiante, ele nos diz sobre a ansiedade; com a espetacularização da violência e o medo injetado nas grandes cidades, e até nas pequenas, ela tem funcionado como um regulador social, que restringe as possibilidades de estar efetivamente na vida e vivê-la. Se enfurne, ponha mais trancas, tome o café em casa, a violência está na rua, a morte na calçada.
“O ansioso sempre está um medo à frente: ele verifica três vezes se fechou a porta, teme ser seguido ou agredido, teme sempre – tanto para si como para seus próximos – a doença, os acidentes, o infortúnio. Toma, contra o seu medo, um arsenal de precauções, que só fazem aumentar o medo. Tem medo de sentir medo e se apavora com isso”.

Ainda que a solidão seja uma condição comum a todos nós, há a tendência de confundi-la com o isolamento, e reduzi-la a um sentido meramente soturno e negativo. Ai daquele que opta por ficar em casa numa sexta-feira à noite, logo é digno de pena, está só, não tem ninguém.
“A solidão é nossa condição ordinária: não por termos relações com os outros, mas porque essas relações não poderiam abolir nossa solidão essencial, que decorre do fato de sermos os únicos a ser o que somos e a viver o que vivemos. “Na medida em que somos sós, o amor e a morte se aproximam”, escreve Rilke. Não é que não haja amor, ou que sejamos os únicos a morrer; mas é que ninguém pode morrer ou amar em nosso lugar. Assim, o isolamento é a exceção; a solidão, a regra. É o preço a pagar por ser si mesmo.”

Um dia uma menina de uns cinco anos me perguntou: O que é ser Mulher? Pensei, pensei mas de nada adiantou, às vezes, o que parece ser o mais simples e óbvio é o mais difícil de explicar.
“Dirão que o que importa é a humanidade, não o sexo. Pode ser. Mas tampouco é anedótico o fato de a humanidade ser sexuada. A diferença sexual é, sem dúvida, uma das mais fortes, das mais constantes, das mais estruturantes que há. No entanto, a diferença entre os dois sexos permanece vaga e deve tanto ou mais à cultura, ao que tudo indica, do que à natureza. “Não nascemos mulher”, dizia Simone de Beauvoir, “tornamo-nos mulher.”

Sobre as diversas formas de acontecer mulher, ele conclui: “Uma pessoa nasce mulher ou homem, depois se torna o que é, de maneira mais ou menos feminina ou masculina, mas pouco importa esse devir, ainda que deva tudo à cultura, é um dos mais bonitos presentes que a humanidade deu a si mesma.”.

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